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Mostrando postagens de dezembro, 2019

De amores e delírios

De amores somos feitos Nem rocha nem água nem desespero No tempero, talvez um grão de delírio Nem o chão pedregoso O caminho pisado Nem destinos sofridos nos tiraram o riso Não tiraram o sarcasmo como sintoma de saúde Não perenizaram mágoas no sangue por mais de sessenta segundos Nem os pés machucados experimentados no decorrer de uma vida desafiando a corda bamba Nada pôde mudar isso Duvidamos quanto ao mundo saber acolher o amor Jamais da nossa capacidade de amar Continuaremos contra tudo e todos exibindo na praça a casca grossa a cara lambida os olhos tortos de estranhos desejos Uma espécie amistosa de solidão que é companhia e musa (mesmo quando arranha) Um querer bem a todo sentimento que transborda Sozinhos ou acompanhados Reprovados no campo de teste cotidiano no velho quesito incapacidade de viver sem amor Não somos oniscientes Não somos mercenários Somos guerreiros aguerridos (mas do tipo quase imprestável no campo de batalha

Poesia, quando vem, releva a forma

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(Primeiro Romance de F. Young,  escrito aos 17 anos publ Ed Leya, 2019) Furacão em fúria não define bem o excesso de sentir que se tem Ora é raiva e destruição Ora liga leve e calmaria Como as luzes seguem a noite E à sombra seguem os dias Quando assim sem aviso o grito escondido se transforma Um incontido de ser que não aceita (re)doma E a vida sendo essa coisa imperdoável se exercida e reivindicada em cheio,  sem medo Este agora-aqui cujo último sentido se alcança jamais E ainda assim persiste -- porque sim, se há poesia é porque alguma beleza existe -- E opera sempre em transfusão Como o sangue que ressuscita Os abraços que regeneram Como o verso inacabado quando tão cedo se esvai

Férias e leituras (i love it)

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Lygia, absoluta

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Delicadeza: a respiração no traço pulso acelerado (Descanso rápido) Retumbando sístoles porque o sangue não cessa A percepção aguda sobre o tudo-ao-redor, como se sabe não porque se soube mas pelo que se adivinha Lygia, Lygia, que coisa linda essa cara da vida que se faz tantas em tuas linhas

O corpo, por um olhar anticartesiano

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Primeiro livro de Sponville, um dos mais instigantes pensadores atuais, e um dos principais articuladores dessa "nova filosofia" de cunho anti-acadêmico,  uma filosofia que conhece como ninguém os clássicos, mas percebe que todo ídolo tem pés de barro. Uma filosofia que não se limita aos solipsismos mas busca a vida real, adentra  consultórios , fábricas, ruas e mercados em busca do real como um conhecimento de vida, relembrando o espírito inquisidor e indomável de Sócrates, nos seus passeios pelas praças gregas. "Do Corpo": A contundente visão do autor, na época  ainda um jovem recém-graduado, e um belo ensaio sobre um dos seus temas preferidos, usando a inspiração de Spinoza como ponto de partida e instrumento na desconstrução do corpo-máquina Cartesiano,status  indissociável da história do pensamento e da cultura no ocidente. ----- Ed Martins Fontes

O tempo

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Quando as leituras, de forma inconsciente vão surgindo e se agregando às suas vistas vão tocando os temas em seu sopro vão esculpindo uma dada direção mudando ou moldando o leitor em sua forma de ser, sentir, de absorver o mundo Quando você estaca por um instante para tentar pegar com as próprias mãos esse movimento deflagrado em algum momento lá atrás, por alguma necessidade No fundo é o tempo, o maior escultor

Sambinha dos porquê

Levava a vida a tentar entender tentar entender  -- como se entender fosse o melhor verbo pra saber-- tentar entender os porquê os porquê -- por que é que ele ainda se esforçava pra entender-- se não tem por que , se da vida o mais é sofrer porque mesmo não adianta sequer convencer -- nem levar nada muito a sério -- se o mistério ninguém não vai conseguir saber de tudo que você faz, de tudo que fez de tudo o que ainda vai fazer não importa o tento, não importa o tanto das vezes em que foi doce, antes não fosse o quanto de amor inspirou o quanto inspirará ou o sentido de amar amorando nos gestos que dá não adianta o doce -- pouco bastou o beijo Platão largando o céu pra se afundar no desejo (e isso por causa de um beijo) na carne arranhada que sempre quis  morder adianta nada qualquer argumento nenhum alento há pra oferecer - o pior vem sempre no final -- no final -- sempre vem o pior e é no final que vem o maior porquê a carne -- Platão confesse

Noll

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Noll Ainda não inventaram um prêmio Nobel à tua altura, meu amigo Talvez porque ainda não exista a categoria em que se pudesse inscrever essa alucinante e inominada força narrativa E como em todo trópico que leva a tristeza sempre consigo, mais um triste fim melancólico, isolado, longe de qualquer justiça -- a vida é sempre coisa estranha E toda esperança de redenção pareceria vã, não fosse mesmo a arte Quem sabe um dia ainda não caem em si Elevam o status de mais esta honraria e desfazem também alguma outra injustiça quanto a Machado, Rosa, Graciliano, Drummond Clarice, Cecília, Hilda? De resto, como isso sequer faz falta para a efetivação de alguma arte seguimos por aqui, entre nossas pequenas e grandes tragédias sem que o mundo ainda nos tenha descoberto no que temos de melhor

He's back !

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John Frusciante de volta ao RHCP  O mundo inteiro se acabando nessa merda sem fim, e eu só saudando o retorno do mais maluco e criativo dos guitarristas a uma das melhores bandas da história do rock. Felicidade é pouco! que venha mais do bom e velho John na veia. only good vibes "Sometimes I feel Like my only friend Is the city I live in The city of angels"

Terror e suspense, em Ari Aster

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Hereditário (2018) e Midsommar (2019), ambos sob a direção do talentoso novato Ari Aster, embrenham-se pelo bilionário e irregular terreno dos "thrillers" do cinema americano,  destino de no mínimo 5 entre cada dez produções que vêm à tona por aquelas terras, para saciar uma demanda infinita. Do luxo ao lixo, esse talvez seja o gênero de maior variação na qualidade final da arte. Do ponto de vista da máquina do cinema, embora estejam dentro do mesmo gênero , albergam diferenças essenciais. Primeiro, na estrutura "fria", de estatísticas, enquanto "Hereditário" conta com duas grandes estrelas nos papéis principais e dispõe de um orçamento muito maior, "Midsommar", por sua vez, lembra alguns filmes acadêmicos por sua simplicidade de filmagem desprovida de estrelas e a opção das locações abertas em vez dos contidos (e controláveis ) ambientes interiores. Muito incensado desde sua gravação e detentor de alguns prêmios, Hereditári

Entre o tédio como fórmula e o velho pé-no-saco dos tribunais

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Dois dos filmes mais comentados neste fim de ano, duas enormes perdas de tempo. "Marriage Story", cansativo . A velha paixão americana por 'filmes de tribunal", matando qualquer possibilidade (tão alegada na época do lançamento, e com remissões diretas dentro do filme) remota do filme ser uma espécie de lembrança do incomparável "Cenas de um casamento", do Ingmar Bergman. Diferente  do filme sueco, no entanto,  que consegue  mesclar genialmente a questão existencial das relações com a linguagem do cotidiano,  o filme americano é arrastado e bastante superficial em sua proposta, quando carrega  em seu excesso de cenas de tribunal, diálogos forçados em quantidade , lotes de falas e situações improváveis, inverossímeis em qualquer relacionamento ,além de umas inserções de humor paralelas que não colam diante da tensão constante ao fundo. Válido talvez como crítica à burocracia do sistema para lidar com assuntos afetivos,  e só. Todo esse esforço desastrad

"O pintor da vida moderna"

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"O pintor da vida moderna". Texto de Baudelaire sobre "O homem da multidão" : Baudelaire falando sobre Poe. Um retrato intenso da modernidade, a descrição de um esqueleto da vida no justo momento onde ela se tornava essa coisa , a um tempo carregada de impessoalidade absurda, a dissolução das individualidades no movimento de massas, e de outra mão, abrindo espaço necessário em algumas esferas um tanto mais distantes do fazer-vender da máquina, para uma reavaliação do sentir, pensar e se mover sem contudo perder-se totalmente, dissipar absurdamente toda e qualquer subjetividade, mesmo no mar de pessoas que nos circundam. Análise belíssima e extremamente contemporânea de um grande poeta sobre a contundente obra e o viés inusitado de um grande escritor. ---------- Daqueles momentos onde você se lembra com tamanha emoção e apego ao porquê de ter inadvertidamente deixado descambar tantas outras coisas na sua vida, -- seja pessoal, profissional, seja até em

O silêncio no cinema

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Tema difícil para o cinema. Embora tão comum à música, à pintura, à literatura, em alguns casos definindo o eixo da criação de um artista pela forma do seu manuseio ou pela instilação de seus preciosos efeitos sobre o tempo e o volume da obra, o silêncio quando é celebrado contra a constante barulheira incontrolável do mundo, pode ser extremamente fértil em seus resultados. Que o diga Tarkovski, que teve domínio absoluto sobre o tema, em suas esculturas de movimento. Mads Mikkelsen, esse excepcional  ator (ainda pouco conhecido do grande público), interagindo com a natureza selvagem do polo norte, em "Ártico". Longe de qualquer  reafirmação do antigo mito de Tarzan, o homem branco vencedor como indivíduo contra o mundo hostil, ou uma idéia equivocada e inoportuna da repaginação de um MacGyver em novo shape, é antes um filme de sobrevivência contra si mesmo, sendo a natureza exterior um segundo personagem. Um homem qualquer, sobrevivendo a um acidente aéreo, perdido n

Uma paleta gótica

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Desafiando as trevas, o sangue acende a sede do vampiro Histórias encadernadas emolduram o delicado rosto mas não podem salvá-la quando a luz do dia não mais clareia Antes, elas incitam à ceia como um raro antepasto de apurado gosto Ouço as corredeiras encobertas Papéis de seda e giz para escravizar os olhos e alargar o desejo (Onde irão desembocar , esses rios?) Absorvendo histórias nas  pontas dos dedos ela segue distraída como se decidisse vidas sem precisar gastar os olhos [Esses segredos tão bem guardados] O mundo aqui fora como animal a arquejar se os livros sequestram ainda que por um segundo seu olhar Quartzos boreais Águas-marinhas afiadas como adagas lavradas no mais fundo da terra sem lume A arma reservada para o fim quando a vítima tornada algoz lanha o peito da nova presa com seu  gume ------------ in "A Casa de Frankenstein", poemas para Mary Shelley- AVCTORIS/ nov 2019

Cenas urbanas

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Que me perdoem os liberais, libertários ou anarquistas pós-modernos que sempre têm a tendência a   valorizar em absoluto toda e qualquer atitude humana como arte. Nem mesmo Aristóteles, um dos pilares de nossa herança sobre o conhecimento do mundo, com toda sua cabeça organizadora e classificadora admitiria tamanha abertura. Para não perder o fio do argumento nas infinitas e densas discussões sobre estética e teoria da arte, eu falo especificamente da contradição entre a pichação e o grafite como como diferentes formas de criar pertencimento ou ruptura com o mundo à sua volta. As intervenções nos muros da cidade estão aí como propostas estéticas diversas, expostas como verdadeiros painéis potenciais da arte ou seu completo impedimento. Substituindo um pouco a teoria pelo testemunho prático de uma boa e atenciosa andada a pé por alguns  cantos da cidade, não há como não perceber uma diferença sensível entre as duas propostas mais recorrentes de ocupação do espaço por vias estética

Entrevista com o poeta

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Entrevista com o poeta e filósofo alegrense Marcos Silva Oliveira (“in) memoriam” publ orig "Caderno Mil Montes", março/2014 "... Puxe uma cadeira, ok, beleza?! Tem um suco aqui, fique à vontade.. Cigarro? Não, bom , mas a questão é essa mesmo, tudo começa desse jeito, compreende, quando Nietzsche pega seu martelo e destrói os ídolos ocidentais, a começar pela verdade, passando pela Religião, a Ciência e os costumes morais arraigados. Cara, a Filosofia não será mais a mesma depois dele. Alguns, como Heidegger, questionam mesmo se ainda haverá filosofia depois de Nietzsche.." " ... Mas aí a questão agora é outra... No que diz respeito à arte, compreende, a coisa muda de figura... Relegada historicamente  a segundo plano, por não conter , em suma, um discurso homogêneo, racionalizante e justificador no sentido último da palavra, compreende? Num mundo moderno que de alguma forma elegeu a ciência como seu discurso oficial, a arte agora, através da nova per

Cine Trianon

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Cine Trianon - Alegre/ES- década de 50 - (Foto: Enock) http://salasdecinemadoes.blogspot.com/2013/04/cine-trianon-alegre.html Meses, até anos, tentando falar sobre o cinema da minha terra natal, e sempre adiando, por inúmeros motivos. No peito, inesquecida a  necessidade de falar disso uma hora, não apenas pela importância do cinema para minha vida, mas daquele cinema, em particular, como deflagrador de vidas e descobertas, e o vínculo inextinguível com tudo aquilo que representa pra mim a sempre saudosa terra “do Alegre”. Cinema que,  depois de estar parado há alguns anos, teve o que sobrou de sua estrutura recentemente demolida. No mais, sempre tenho dificuldade para escrever sobre minha terra. Quem, sem aviso, ainda insiste em se enveredar pelo inconstante território das letras, deve  esbarrar com essa questão, hora ou outra: quando o traço se torna emotivo demais, a coisa toda desanda. Tirando os excessos líricos de uma ou outra linha poética, que conseguem lidar me

Champanhe

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(foto: Leda Petit, por Jocelen Janon) O que há em ti que atiça em mim as feras deflagra toda saliva e dissolve as dores quando  passas? O que há em ti que enrijece o pescoço e dobra os joelhos mesmo ao sem-deus que bebe em tua taça? O que há em ti que enlouqueceu geometrias engendrando espaços Desfibrilou pensamentos liquefazendo os desejos? O que há em ti que reitera a insaciável sede A ânsia pelo suor sorvido como o melhor champanhe na garrafa? O que há em ti Qual a razão dessa forma em particular, e não outra? Nem cristal nem vácuo nem metal: Tramas, encaixes e relevos densos O que há em ti que cativa os sentidos dessa doce obsessão prendendo ainda meus pés neste chão enquanto o universo inteiro se esgarça? O que há em ti que faz perdurar personagens de sombras e luz na tela mais funda destes olhos? Um filme sem fim encenado por cada movimento teu

Flanando em Jardim da Penha

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Na rua, sombrinha embainhada debaixo do braço depois de uma ligeira pancada de chuva no final da tarde, pisando nas poças no entrecalçadas e foi justamente uma menina, em suas botas cor-de-rosa e a maneira recém-inaugurada de ver a vida,  que da porta do mercadinho chegou-se mais perto e me deu a melhor e inesquecível definição sobre a forma de classificar as pessoas : "...Cê tamém gosta  de pisar na poça ?". Assumindo no caminho para o ponto de ônibus os efeitos da acertada definição de paradigma, percebi que o mundo humano certamente poderia ser partido sem maiores delongas em duas essências: há aqueles humanos que, sem nenhuma razão, brincam de pisar nas poças d’água depois da chuva e aqueles que, por todas ou quaisquer  razões, nunca o fazem. De um modo ou de outro, foi pisando nas poças que retornei à capital Vitória nessa mesma semana, depois de um tempo afastado. Retorno ao bairro de que mais gostava em minha época de estudante, Jardim da Penha, palco de tantos mom