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Sobre Aeroportos e Saudade

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Por Antônio Rocha Neto * Gosto muito de ficar zanzando em aeroportos. Lugar de chegadas e partidas, acolhimentos, despedidas, lágrimas de quem parte e de quem fica, de quem regressa, abraça, beija, chora e se espanta: “como esse menino cresceu!” “como você está linda!”. Faixas de boas vindas, de felicitações por conquistas, tudo isso me entretem, me diverte, me emociona e me leva a pensar na dádiva de nossa constitutiva e abençoada finitude. Sim, abençoada. Imaginemo-nos imortais: como seriam os saguões de embarque e desembarque dos aeroportos se, por exemplo, quando um filho nosso vai estudar noutro estado ou país, não nos assaltasse aquela estranha angústia de perda, aquele inquietante sentimento de “talvez última vez ...”. É a consciência de nossa finitude que nos emociona nas despedidas e nos enche de alegria a cada retorno que se realiza, e justamente porque está se realizando algo cuja realização era desejada, sonhada, esperada ... mas incerta.                                   

Que presente é esse?

Otimismo, coragem , alegria não são apenas palavras; são atitudes fundamentais de vida, sem as quais o viver se apequena, não ramifica nem lança suas sementes. Não se trata da tolice cândida de pensar superficialmente que sempre há um lado bom , ou como Leibniz, que vivemos no "melhor dos mundos possíveis", eis que o mundo realmente é cruel e trágico, sendo a vida uma  minúscula e bela possibilidade dentro de tudo que rege a matéria nesse universo desconhecido. Nosso destino era sermos somente minerais, partículas brutas ligando-se somente por razões quânticas, sem mais. Mas daí surgiu a vida, meu senhor. E tudo mudou de figura. Coisa mais inusitada e improvável.... a vida.... o orgânico, pela primeira vez, combinando partículas improváveis em situações inusitadas, rachando as montanhas de fogo, pedra e água na infância dos tempos. Fazendo-se luz em meio às trevas, e possibilitando à vida seu legado, a sabedoria misteriosa de sua duplicação mágica e a perpetuação de suas

Brincando de Deus

Então, o que restou ao homem quando soube da morte de Deus? Todo o seu teatro, toda sua representação, a maior delas, ruindo assim, por terra, e a nova vida tentando renascer sem ícones, ou quem sabe, à procura de novos... A ciência, que há muito espreitava, foi enfim chamada a ocupar o enorme espaço vazio, o vácuo representado pela multiplicidade de perguntas sem respostas que se acumulavam a cada dia. O vácuo representado por milhares de vidas, assim nascidas, como tudo a que a natureza dá à luz, sem sentido humano, a não ser o inventado. E ainda hoje esse saber tenta convencer pela atuação resumindo o nosso discurso, não o único mas o mais reverenciado no palco de horrores a que todos assistimos, mudos a nova era se desenhando, sem o mal e sem o bem, apenas frias máquinas de pensar ausentes de cores exercendo seu mister a quarenta graus abaixo de zero. A religião, como coletivas amostras esparsas de um discurso vazio que há muito se perpetuava sem porquês refu

Complexo de Roberto Carlos

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Copiado do blog http://gnt.globo.com/platb/pinkpunk  da minha filósofa favorita, Márcia Tiburi (texto publicado na  Revista Cult http://revistacult.uol.com.br/home/2011/02/complexo-de-roberto-carlos/ ) “Eu quero ter um milhão de amigos” é o famoso verso da linda canção “Eu Quero Apenas”, de Roberto Carlos. Adaptado aos nossos tempos, o verso representa o anseio que está na base do atual sucesso das redes sociais. Desde que Orkut, Facebook, MySpace, Twitter, LinkedIn e outros estão entre nós, precisamos mais do que nunca ficar atentos ao sentido das nossas relações. Sentido que é alterado pelos meios a partir dos quais são promovidas essas mesmas relações. O fato é que as redes brincam com a promessa que estava contida na música do Rei apenas como metáfora. O que a canção põe em cena é da ordem do desejo cuja característica é ser oceânico e inespecífico. Desejar é desejar tudo, é mais que querer, é o querer do querer. Mas quem participa de uma rede social ultrapassa o limite d

O convalescente

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Clarice, Clarice esses dias seriam somente cinzas insípidas as pessoas se você não existisse Esse cavalo negro , brilhoso e selvagem crina longa aos ventos que ser é esse, Clarice se Deus realmente fez algo assim nesse mundo, este animal fugidio que tanto encanta e pode ser denso, meigo e cruel nunca superficial mas uma alma eternamente dona de si mesma?

dança dos elementos

Como alguém poderia estar sozinho neste mundo? como, por entre as coisas e suas substâncias, que andam aos pares entre si, de mãos dadas o humano equivocadamente se desvencilharia do inumano descolaria sua essência do mineral do animal, do subatômico perdendo-se, portanto, no vácuo de sua autocontemplação sua autopiedade narcisista ? Como deixar de ser a natureza das próprias coisas se as coisas estão aqui, impregnadas de ser em mim? Como estar só nessa paisagem de árvores dobradas ao som pelo vento pelo sol acordes dissonantes dessa harmonia profunda seu verde renitente brilhando na chuva outros escuros musgos nessas pedras E o som disso tudo, trombetas ensurdecedoras trombetas tímpanos, cielos e violinos essa grande orquestra sem ninguém por perto somente pássaros somente árvores somente o vento Plasmada nessa energia, uma liga o conduz este ser singular e vinculado à eterna dança dos elementos Ao homem não é possível estar só e isso é uma bênção

serial killer

Todo dia é preciso matar a maior parte do que vive em nós afinal tudo que ainda vive vive porque depende vive porque está sobre vive porque outra vida o alimenta de alguma forma não necessariamente umbilical É preciso matar todo dia um pouco daquilo que se é daquilo que tornou possível a existência do hoje sobre nós sob pena de não existir amanhã Ou, caso ele exista, não valer a pena Henry Miller quebrava as pontes por onde passava para não ter remorsos e, caso os tivesse (o que é bastante provável) não pudesse mais voltar atrás por uma fraqueza da vontade Um amigo me disse que era capaz de matar digo, em resposta que capazes somos todos e que matar é necessário Matar é a pré-condição da vida somos o serial killer da alma

Um outro de mim

O que faz você pensar que o que eu tenho a dizer vale a pena ser dito por alguém ? O que faz você pensar que eu tenho algo a dizer ? O que faz você pensar ? O que você  faz? O que o faz pensar? O  que  faz  você ?

Ilusionistas

Por que se escreve?  Para quem se escreve? Sobre o que se escreve ? Assim como esta, são tantas egotrips lançadas sobre o mundo.... no fim, nada  mais que espelhos. Creio que isso surge pelos mais variados motivos, desde uma necessidade primordial e  inconsciente de ser lembrado, aquela noção de não passar pela vida incógnito, de poder perpetuar-se no tempo através das idéias,  legando alguma coisa não perecível, algo além de si próprio, até o simples preenchimento do tempo ocioso com este passatempo lúdico, de forma despretensiosa. Se escrever também envolve criação e arte, busca-se sempre um  plus ,  algo que transcenda a própria persona, na esperança, ainda que vã, de deixar  para a futura humanidade outra lembrança que não sejam somente  filhos ou árvores. Escreve-se também por desabafos terapêuticos, narcisistas; viagens de autoconhecimento (que também podem ser terapêuticas e narcisistas),necessidade de estabelecer algum contato produtivo com "o outro", saber que

A dança

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Pairar sobre palavras cantadas andar solta sobre flâmulas dançantes e brasas com graça, sem se queimar essa a arte da leveza , de plumas não se dança sem  mágica O corpo levitando sobre o chão sustentando-se no ar vencendo a gravidade, por mágicos segundos que parecem parar o mundo silêncio inequivocamente belo Texto corporal e link para o universo metáfora de si mesmo, o corpo a criação o movimento sendo a interação que divide o gesto braços que cortam o ar, a pena língua plena sem  palavras, versos corporais sobre o papel em branco e preto do espaço gravados entre o ar e  a carne sôfrega e trêmula concisa, precisa, ritmada intensa, sensual, relaxada Linhas escritas sem uma palavra sequer palavras que soam  melhor caladas quando a dança entra em cena

Plenitude é somente uma palavra

Guerra maior é a que acontece no silêncio de dentro batalhas sem nome, indesignáveis eventos milhares de mortos, centenas de feridos conflitos resultado de se estar vivo, respirar  e não se resignar ao simples sobreviver Busca incessante desta alma , inquietude pelo que  ficou para trás, quando me perdi em algum lugar do caminho. Plenitude? Não há, posso dizer. A vida é a soma de tudo que ocorre, mas perpetua-se somente na memória dos  bons momentos. O que vejo de real são apenas os  fragmentos... ser humano é sempre estar faltando um pedaço. "Diante da grandeza do mundo, torna pequeno teu coração", diz o provérbio chinês... ouço esse ditado amarrando meus braços, acorrentando meus pés mas algo de rebeldia insiste em não acreditar num mundo zen, algo salta esse muro e grita que a vida é mais , a vida é mulher e é assim meio doida mesmo, imprevisível nessa sua maneira íntegra e alucinada de encantar e exterminar e que, se há algum equilíbrio, ele sempre fu

o tempo

A mirada das cavernas vejo só um pálido sol situado no horizonte Vejo Platão e suas sombras refletidas, grilhões criados pelos próprios escravos sob o medo da liberdade pois a liberdade sempre amedronta Esse barco do tempo veleja rápido demais e na vertigem de já estar aqui, agora sinto calor em agosto como se ainda fosse janeiro

Sobre vampiros

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Entre as gélidas rochas desta cela abandonada mil anos aguardando e padecendo  a eterna sede  que nunca é saciada Metamorfoseando em asas o desejo, morpho chiroptera deixo minha cripta e rasgo a noite sobre a Terra os instintos intactos, um vôo cego e rápido, Nosferatu e um domínio de Fausto sobre o que o mundo integra. Você dorme, inocente, na escuridão do imenso quarto sinto seu calor e o coração nos seios agitados a ansiedade da lua imensa prata convite ao banquete onde será servida sua juventude em grandes taças Sua pele clara brilha nas sombras, deleito-me com a visão enquanto mordo seu pescoço você me pertence,agora seus humores e sua essência circulam em meu corpo e alimentarão minha sombria existência enquanto lego a você uma fração do meu ser imortal sugando até bem perto do fim a sua linfa vital doce fluido cristalino enquanto vejo, por  lascívia,  sua vida aos poucos se esvaindo Seu corpo contorcendo-se em grito

O silêncio

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Há poesia demais em não falar nada um romance não escrito quando penso em você contos que dormem intactos sob o travesseiro crônicas de uma vida que anda de lado, sem porquês. Se eu não nascesse hoje, tornaria a morrer sem revelar esse mundo sem participar o liame das coisas, entre o sólido e o abstrato mais profundo, aquele lugar onde tudo o que há se revela na história do mínimo, enquanto se perdem, assim, os seres recém surgidos do limbo, antes de inaugurarem qualquer estado de consciência. Àtomos e palavras, urdidas na calada da noite inacabada, inocências... Neste filme que passa bem diante dos meus olhos vejo cores, o campo, bichos, flores e mato alto, então estou integrado nesta tela impressionista, e sou a própria imagem do que quero ser: sou campo, sou bicho, flores e mato alto repleto de pontos de sombra e luz, sob cuja fragmentação espelhada possibilito a visão, enquanto imponho meu olhar, esse tirano trocando a realidade pela impressão. Sou também o pintor que tudo observ

Vida Minha

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*Por Marcos Silva Oliveira A cidade emitia sinais de vida no cotidiano. Recordo bem o texto e a mensagem. A angústia não era dor definível e não doía tanto quanto agora. Nós estávamos para o que der e vier - o possível. O improvisar e as tentativas de reviver dia a dia o lúdico: eram presentes. A fotografia do instante. Estão nestes versos que encontrei ao remexer em papéis antigos. O pardo das luzes passadas. A metáfora daqueles instantes: momentos de 1984. Ao largo da paisagem Do que posso vislumbrar As luzes e a amplitude Da cidade entre as trevas. Parques de sonhos... De luzes amarelas O carro estacionado A cancela de madeira Atrás os penhascos Da minha angústia... A noite perigosa A cidade baça Ameaçada das trevas: A missão salvá-la... A cura. Nesta noite silenciosa Temos medo. Muito medo. Os postes de luz Os cabos de telefone, 1984, a cidade resiste. Eu devo salvá-la... A missão para a salva-guardar. Oprimido pela noite Decido a proteger: A cidade me precisa... Os penhascos e a

carpe diem

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Então estou eu aqui, mudo, nesta sala E percebo que quase tudo que me ocorre, agora, Vem sempre de um determinado passado, Um lugar no tempo Que julgava deixado para trás. Esse tempo, que na verdade é busca Que não sai de mim, que me integra, Que fala por mim e me define pelas memórias Tempo perdido esse, que não me larga mais... Memórias seletivas e falhas, por sinal, Lacunas que então eu não enxergava Lacunas que nunca pensamos existirem E que foram crescendo e tecendo, aos poucos, Por paradoxo, Uma improvável textura em torno, Costurando-nos como retalhos ao avesso das coisas Com essas linhas invisíveis e duras. Crianças brincando num jardim. Nós, que éramos tão poderosos e pensávamos Poder ocupar todos os espaços, Pulsar todas as sensações possíveis Com um violão e uma garrafa embaixo do braço, Entre tantos risos, beijos e abraços E aquele cigarro eternamente aceso numa das mãos... Uma eterna e infantil curiosidade diante das coisas, Fumaças filosofantes de deslumbrantes auroras Na