Postagens

Décimo Round

Imagem
                                                                                                                    Para Henry Miller Jab, jab de direita., respira, respira. esquerda jab, direita no cruzado. não entrou. desvia, encaixa lateral no rim, encaixa nas mãos em concha um golpe surdo. um dois, desvia cruzado, salva-se por ora. afasta-se depois do curto clinch. tenta novo direto de esquerda. um dois, respira rápido, solta o ar no golpe. um, dois, inspira no braço voltando ao corpo. giro ligeiro do corpo com gancho de esquerda sobre o fígado. entrou. o adversário sente e faz uma careta de dor. ele continua pressionando no ataque. sabe que a potência é inimiga da resistência. são forças contrárias. ou define logo, na explosão com risco animal, ou afasta e resiste, levando pro último round. ginga, dança, ganha no preparo. sabia que a segunda hipótese, ao menos para hoje, não tinha a menor chance. investiu tudo na massa e explosão para esta luta, sem foco nenhum na dura

Hólos

I. Recém-levantados da alcova                         sentindo no ruído da minguante noite fria                              ainda  uma neblina leve que havia             que no entanto não obsedava os olhos                                                   Ora, e por que a dúvida maldormida sobre a impermanência dos sentidos quando a vigília resolvia mesmo sem ser convidada assumir de vez por que não saber da contradição que habitava o ocidente se desde muito tempo atrás quando já éramos gente até mesmo Einstein em sua incansável sede de viagens, já tinha demonstrado que nossos corpos são, no fundo esses pedaços densos de matéria                          passeando lentos no tempo                                     e que se isso tudo passasse por uma máquina ainda não inventada de desfragmentar luzes retornando-nos à matriz viraríamos energia pura novamente (e quem sabe, mais feliz) ao podermos nos espalhar por tudo experimentar todos os

De olhos e sombras

Choras, trancada neste quarto há horas borrando a maquiagem amassando teu vestido Choras, enclausurada neste falso abrigo e parte do mundo também chora contigo mesmo como tantas as outras vezes sem bem saber a razão Teu choro é orgânico e convence e nele está inscrito algum tipo de beleza inexorável em um signo atávico que persiste através das eras mesmo à sombra desses  olhos líquidos escorrendo pelo rosto abaixo Porque se o mundo soubesse que neste exato instante provavelmente já nem mais te lembrarias do porquê dessas lágrimas desacreditaria de tua versão Mas confie que comigo teu segredo estará sempre guardado Choras, nem tanto por que isso seja necessário --visto que és assim muito mais uma criatura de berros, unhas e gestos predispostos pela luz da lua -- mas apenas porque é da tua natureza essa tal espécie estranha de certeza animal que o tempo inteiro quer transformar instintos em boas razões Esse dom

O Tempo Redescoberto

                                                                                                  para Marcel Proust ---- No primeiro dia, enfiei as mãos na terra arranquei o mato, reguei meu jardim e pus a alma pra secar ao sol No segundo dia, cuidei dos cachorros dei atenção especial aos passarinhos e varri o quintal No terceiro dia, fiz meu próprio bife com feijão preto, muito alho e um ovo (um não, dois) com gemas moles por cima No quarto dia, rabisquei um poema No quinto dia, li um capítulo inteiro do romance que adiei por tanto tempo e ainda assisti a um bom filme No sexto dia, depois de ligar para um amigo com quem há muito não falava apenas para ouvir sua voz fui  passear na pracinha no intervalo de almoço, num clima de sol à meia estação, ver de perto como é que andam as pessoas que eu não conheço No sétimo, tomei um café bem forte logo pela manhã e me deitei na minha rede preferida na varanda pra ler o jornal Depois de tanto sangue joguei as notíc

Rastro

A escadaria De dia, o campo aberto de nossas excelências que desfilam , cenhos fechados Grandes questões do mundo para decidir os carros brilhantes, o comércio                              dotô pra cá, dotô pra lá De noite, puteiro- cracolândia o mercado das carnes em promoção pedra a dez real tem de cinco tem de dois sexo a trinta amor por duas pedras "aceitamos  qualquer moeda:                                    até cartão" as marcas de sangue com pegadas no chão na descida da esquina mais conhecida pés de homem, coisa de ontem pelo tamanho, pelo tempo seguindo com um bordo de havaianas rodeado de vermelho muito escuro e denso (sangue arterial) um esfaqueamento um tiro um acidente? na porta da casa rosada onde sobem os marinheiros com a bagagem do mundo e de onde descem  aliviados no espaço enorme de uns quarenta metros de calçada nova, cidadã margens de pastilhas vermelhas centro de cimento clarinho os passos , de início

O sangue

para Lorenzo ---- Você com a sua calma o equilíbrio o segredo de manter sob esses olhos por duas décadas a inquietude dos seus poucos anos em sintonia com a própria vida A arte de ser filho e não sucumbir aos pais sejam eles terríveis sejam os mais amorosos Tão diferente de mim mesmo na mesma idade quando a ansiedade me governava o peito as angústias me desfazendo os dias e por dentro uma certa agonia o monstro sem nome que já insistia em se criar O excesso de âmago o excesso de fôlego o excesso de ver o excesso de imaginar e não sabe como expressar Combustível certo para implosões A casca tornando-se em algum momento mais grossa porque havia a necessidade real ou inventada de se preservar para não sucumbir à beleza do mundo à violência do viver As crises, a rebeldia a impossibilidade de uma fala que sinalizasse tradução dos estados de ânimo permanentemente Sentidos desalentados em idade tão precoce Vejo sua vida tão harmônica tão pra

A CRIATURA

Atentado, aquele moleque crem-deus-pai! meio bicho, meio índio meio rio, meio floresta com os pés descalços sempre fincados na terra abraçando árvores sozinho (o espírito suspenso) entre a mata e o chão falando com os cavalos ativo e arteiro como o cão pegava passarim no alçapão depois soltava tudo porque lugar de passarim é no alto, bem alto mais alto colecionava bolas de gudes (gudes semelhavam lágrimas congeladas  que olhadas de bem perto revelavam em seu cristal denso de vidro azul, verde líquido pequenas vias lácteas em miniatura, o outro-lado-de-lá-de-tudo --gudes eram portais ?) enrodilhava-se pelos piões apaixonava-se pelas pipas fugia das multidões administrava estilingues e plantações de mamona investigava formigas (mesmo as sem cabeça) espetava tanajuras botava-se bonito pra missa de domingo cabelo partido ao meio sapato com meia e camisa passada a mão levantava a saia das garotas escrevia-lhes rabiscos de amor que depois nunca enviava mor

Hair

Imagem
Hair: 40 anos do musical mais bonito   e denso dos anos 70 O poder da música, do amor e da liberdade contra as guerras

Sumo

Imagem
Sangue de uma terra em transe Videiras ganhando minhas veias O colorido a se formar atrás dos olhos quando a especial graça do mundo súbito surge onde antes tudo era pálido deserto Pujantes brasas em total desatino A razão finalmente adormecida por obra de duendes delirantes Os sentidos despertos para o que não viam antes A engrenagem sob o peito insone, imaginativa instilando o líquido insidioso lentamente gotejando sob minha pele Gole por gole na pura demora Enquanto o sol não nasce me abraça a seiva que prepara a aurora

Pulsão, Sublimação e Imaginário no "Werther", de Goethe

Imagem
"Ah, se pudesses expressar tudo isso, se pudesses imprimir no papel tudo aquilo que palpita dentro de ti com tanta plenitude  e tanto calor, de tal forma que a obra se tornasse o espelho de tua alma, assim como tua alma é o espelho do Deus infinito".... ("Werther", J. W. Goethe) "E se adormecesses? E se, no teu sono, sonhasses? E se, no teu sonho, subisses aos céus e ali colhesses uma estranha e bela flor? E ainda se, ao acordares, tivesses a flor na tua mão... Ah, como seria, então?" (S.T. Coleridge) A noção inovadora para a época, uma bomba existencial  onde subitamente os "sentimentos do mundo" passam a contar muito mais do que os "pensamentos sobre o mundo", colocaria em definitivo à margem da história o peso absoluto das abordagens racionalistas para a  sua interpretação, até então propagadas pela filosofia sistemática do século das luzes e pela ciência de época. Onde está a razão agora, depois do baque, onde está o equi