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"Linha M"
Falar sobre o nada e ainda ter tanto a dizer é para poucos. A prosa elegante e desprovida de adornos em suas descrições dos ambientes mais simples e situações cotidianas, desde o hábito da xícara quente de café com torradas de pão integral e azeite no canto do barzinho sistematicamente eleito, a uma coletânea de memórias volitivas vivenciadas em contextos, tempos e países diversos mundofora. O traço melancólico que tão bem cabe às introspecções, e cuja fluidez encanta. Textos em formato de pequenos contos ou crônicas contemporâneas acerca dos espaços humanos de habitação e desterro, (como boa leitora da literatura Beat e representante menos dos cânones e mais do circuito alternativo de cultura durante uma vida, escrita que carrega no peito a ansiedade dos espaços fechados) sobre influências literárias, musicais, existenciais enfim, que prefere marcar--como na veia de uma rabiscadora de palavras madura quanto a seu propósito-- o caminho percorrido mais exatamente por sua rara e
"Clube do Filme "
Retornando depois de um tempo à série "leituras e impressões " ----------' Um filho meio perdido na transição turbulenta entre a adolescência e a vida adulta Um pai compreensivo e questionador preocupado com o futuro do filho, menos num sentido propriamente material e mais com sua formação humana A experiência de substituir, por um tempo, uma escolaridade formal pelo conhecimento do mundo em outras lentes: três sessões de cinema por semana, seguidas de debates livres. Filmes escolhidos entre um vasto repertório de temas, pegadas e as mais variadas paletas. O mundo conhecido posto entre parênteses, como na veia apregoada pela Fenomenologia, enquanto o objeto se desvela por outras vias? Ou na verdade, um afastamento das questões banais e formas artificiais de assassinar o tempo -- formas patrocinadas pelo sistema -- para permitir o surgimento em outro espaço das questões que realmente importam? Fellini, Coppola, Woody Allen e muitos outros quase-anônimos, do C
Inteligência a serviço da sensibilidade
Revista Literária Fernão - UFES - jul-dez 2020 (resenha "Manga Verde", Prof Leonardo Mendes) Os ecos do texto, que voltam à origem e nos tomam em diferentes momentos do tempo Ensinando-nos muito mais do que pretensamente nós e nossos rabiscos a um possível leitor Quem sabe a melhor versão do "conhece-te" a ti mesmo Socrático Que, por ironia, vem pela mão do outro Talvez o maior movimento e pulsão para que um escritor se ponha a escrevinhar Menos a publicação da obra em si Mais o diálogo, o testemunho de vida de alguma forma mágica que ela permite Partilha que se colhe no vento Durante a navegação mundo afora do livro de contos "Manga Verde" entre críticas formais e humanizantes abordagens Em especial meia dúzia de momentos com diferentes falas que me retornaram me tocaram também por suas distintas formas de olhar de sentir, de perceber A curiosidade e um certo prazer de observar a variância toda bela e colorida de transmissão da própria experiência por
Asas de Artistas
Vieram diferentes, hoje contra os quadros do morro Pra mais de cem Um certo arrepio destes tempos me subiu frio pela espinha Mau agouro? Fim de mundo, esse clima de tudo queimado Avesso às secas e queimadas ando criando pequenas criaturas no quintal que ganhou imensa vida depois da goteira permanente virar piscina pra bicho no balde Não conseguia cessar a goteira Não consigo nem saber de onde vem tanta água mesmo com o registro fechado Bombeiros, remendos, bóias Desisto, ao menos por hora Passei a ver a metade cheia do balde É cada mergulho de Bem-te-vi que dá gosto de ver Ao redor, o matinho verde se alvoroça limando o cimento velho Cimento bom é o que ganha pele Soberanos em paradeiros de ar Os urubus voam com o pouco- esforço só no leve-levinho Os ossos ocos asas longas e graciosas Não é difícil ver os ponteiros "Urubru-cruzeiro", como dizia Seu Antônio As asas no alto têm um formato diferente do bigodinho de Dali, e voam apartados dos demais As espirais
Som, movimento e corpo
Atonalidade, síncope, dissonância ---- Na natureza existem sons, melodias, ritmos, mas música é um fenômeno unicamente humano. Seja de forma completamente intuitiva quando alguém cria para si mesmo, cantarolando ou assobiando algo que só ele conhece, quando faz um ritmo batendo palmas ou usando qualquer objeto, seja usando padrões e referências já estabelecidos para a notação e expressão desses sons e muitos outros num sistema complexo de instrumentação e canto. A partir de certo momento histórico, a evolução das técnicas, dos instrumentos e da maior complexidade herdada das tradições religiosas e folclóricas impôs a criação de um sistema codificado de registro, compartilhamento e progressiva exploração das composições. Sua matriz mais importante, que chegou quase absoluta em nossos dias ,foi o conceito de tonalidade. A idéia de que é necessária, na criação musical, uma hierarquia de sons regidas e interligadas numa escala vertical e horizontal de co-relacoes de poder. Pelo univer
Live in County Jail
Obra-prima de um dos maiores mestres do Blues. A mão lenta nas escalas e a simplicidade nos acordes . Performance ao vivo com um simbolismo muito forte pela própria história do Blues, onde mais que nunca, o conceito de "feeling" carrega a marca mais forte do género. Detalhe para a voz. Como Buddy Guy, um dos timbres mais marcantes
Blues Singer
A beleza Viver para ter ouvido uma coisa dessas Mississipi Blues, acústico violão aço, slide, 12 compassos, lentos , bem arrastados, pra soarem cheios esse monte de acordes menores e com sétima Buddy Guy, a voz mais poderosa do Blues, em um dos melhores álbuns de todos os tempos. Buddy Guy - Blues Singer
Pequenas notas bestas sobre instrumentos e sons
----------- Da experiência pessoal com a música Na guitarra, o mundo vem até mim, passa pelo filtro, pelo fígado, pelos rins, passa nuito rápido numa consulta aos neurônios e volta Parte emotiva, parte racional, ao mesmo feeling que se simboliza por um humano abraçado a um objeto de madeira e cordas, fazendo com que através dele soe as dores e glórias da humanidade, junta-se uma coisa de memória, de escalas, escolha das notas que define um determinado estilo, a sustentação ou abreviação que confere alguma originalidade. Bends, vibratos. Staccatos, se as frases musicais se tornam a fala de quem fala por outros sons porque suspeita das palavras soando cheias Como mostraram Satie, no piano clássico, Gilmour e Clapton na guitarra- Rock ou Robert Johnson e Buddy Guy no violão-slide- Blues, resgatando a lentidão e profundidade que deixa soar toda a vibração do som, da nota, do acorde, a dinâmica faz absurda diferença. Tocar uma sequência de inúmeras notas com muita velocidade ou exím
O remédio
Espalhar farmacotecas mundo afora Esses locais, um híbrido de farmácia com biblioteca, seriam ricos lugares de retiro, de preferência com árvores espaços livres, sombras e lagos Passarinhos em fartura, de todas as cores e redes convidativas para o espírito cansado Geridos por pessoas hiper intuitivas que, do verde, apreciam os tons e que usariam esse dom (parte inato, parte aperfeiçoado parte sintonia, parte bruxaria) em prol de algo maior e mais bonito E essas pessoas usariam esse talento de saber indicar a quem padece -- E todo mundo sempre padece de alguma coisa nessa vida -- o livro certo para cada ferida Bastava a alguém lhes dizer uma letra, um som, uma palavra Expressar um estado de ânimo Sugerir no gesto ou na fala aondé que doía, onde algo faltava ou suspirar recente perda sofrida e elas sacariam logo de seu inspirado e infinito repertório uma referência própria ou, numa rápida olhada na estante Num instante teriam em mãos o livro indicado como remédio Talvez Proust para esp
Mil anos
Auto-ajuda só funciona mesmo é pra quem vende Sejam livros, remédios ou conversa besta Daí que, tentar conciliar numa mesma personalidade mesmo corpo e mundo-agora uma espécie de sapo arrogante frio e pegajoso de óculos que me habita o cérebro insuportavelmente inquisidor com o leão passional, acéfalo e excessivamente sanguíneo de longa juba vermelha que me enche o peito nunca foi trabalho fácil Depois de muito errar mundo afora fui parar na quina do oriente (Décadas antes de virar modinha) Mil anos Se eu vivesse tanto ou ao menos tivesse a absoluta certeza de que minhas encarnações seriam um plano-sequência continuado as filosofias orientais teriam me valido de alguma coisa Do contrário, foi apenas um surto de ansiedade no estranhamento de um pensamento que recusa a ação porque acredita piamente no carma e que tudo enfim uma hora se resolve Mil anos para aprender melhor a lidar com o tai-chi-chuan e as embolações conformadas do mundo Zen Levo na memória e no corpo apenas
Gerações
A tradicional identificação etária é sempre uma coisa idiota Não me identifico com a maioria dos caras -- nem com a maioria das garotas -- da minha geração Falam uma língua que não compreendo (Ou talvez não aceite e meu ser se recuse a processar) A prova final dessa hecatombe existencial para mim foi quando participei da última e malfadada reunião da turma da escola do ano tal, reunindo os escombros do que muitas vezes nem era para ter sido, não fosse um senso de humor sarcástico do destino. Terror . Você enche a cara pra aguentar tanta baboseira, conversa fútil, o açoite político na forma de opinião de bebum e as inevitáveis comparações do que consideram sucesso pessoal em todos os campos possíveis e que costumam vir disfarçadas de um jeito nada sutil, daí depois de muito churrasco de carne dura, cerveja quente e música ruim, dá uma despistada pra ir ao banheiro e some. Não por acaso, numa pesquisa posterior no mesmo grupo whatsapp dessa turma do qual saí sem ter feito qualquer post
Estúpido Stalker
Que queres aqui, afinal? Os homens da lei demoraram (como aliás é o seu costume) mas pacificaram a matéria E, pelo menos até que nos venha estorvar nova respiração deletéria, arquive de boas esses teus registros que mal escondem a inata vocação Guarda o instinto de capacho para ser usado em outra tarefa (E isso é o que não há de lhe faltar por essa corja que nos governa) Se nada acresces ao que tocas Se não fizeste brotar na janela um olhar Nos canteiros uma flor Se não se tornou úmida a terra por tua causa Nem os pássaros melhoraram o canto Se tua mente segue sendo apenas veneno a intoxicar o caminho das estações Se ainda trazes na testa inconteste ora a cruz que sequer compreendes ora os bordões tediosos do dia ora as cores que não reconheço Ou o paiol dessa moral de enfeite que não me toca Uma moral de escravos que desconhece a palavra mais forte A que desafia a morte para rimar com eternidade Por um instante, apenas repensa o impulso que vai na boca Corre de volta à
Autoconselho
Menino, poupe o cansaço! A humanidade é apenas uma abstração E não pode ser salva O mundo não cabe no teu esquadro E a bem da verdade, tua contribuição É bem perto de zero Perdem-se batalhas mas a guerra há de continuar Surgirão outros, com mais tino mais preparados e mais fortes (Quem sabe mais lindos, como diria Caetano?) Mais poderosos a desdenhar da morte Volta aos versos, menino seu verdadeiro mister Apesar de dar no mesmo quanto à relativa desimportância das palavras que enuncias, ao menos te sentirás um pouco mais feliz contigo E quem sabe ainda não colhes como abrigo, a alegrar este teu ser quase sempre sozinho o acalento de alguns sorrisos?